Desde a última segunda-feira, quando o corpo de Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, foi encontrado em uma cova rasa, em Frederico Westphalen, e seu pai, sua madrasta e uma amiga da família foram presos suspeitos de participação no crime, os gaúchos vivem um coletivo estado de choque.
A morte, por si só, é muito dolorida. Mas, talvez, o que mais estarreça seja a negligência amorosa que o menino sofria. As palavras indiferença e desamor ditas por Bernardo à Justiça ao se referir a sua família acendem um alerta: é urgente e necessário olharmos para dentro de nossas relações familiares.
Neste fim de semana, quando cristãos e judeus vivenciam momento de transformação e renascimento, os valores de família e a reflexão se fazem ainda mais presentes nas nossas vidas.
Para os judeus, o Pessach (Páscoa) relembra a libertação da escravidão que o povo vivia no Egito, rumo à terra prometida por Deus. Nesse caminho, que durou 40 anos conforme a fé judaica, muitos conflitos apareceram durante a travessia do deserto. A resposta divina foram os Dez Mandamentos, normas para assegurar a unidade das famílias para chegarem ao objetivo. Apenas respeitando essas regras (não matar, não mentir, honrar pai e mãe...) é que os judeus alcançariam a terra prometida e a liberdade.
Para os cristãos, a Páscoa é a ressurreição de Jesus Cristo após passar por provações, crucifixão e morte. Por isso, a Páscoa tem o sentido do renascimento para uma vida nova, abandonando-se os erros do passado. O fato, relembrado todos os anos na primeira lua cheia do outono (no hemisfério sul), é a principal característica do amor cristão: quem ama é capaz de sacrificar-se e doar-se.
Especialistas em família de Santa Maria convidam você, leitor, a uma reflexão: quantos Bernardos existem em nossas famílias, nas de amigos, de vizinhos, de conhecidos? Como agir para que tragédias como a de Bernardo não se repitam?
Nova união, nova família
Um dos principais conflitos da vida de Bernardo Uglione Boldrini era o convívio com a madrasta, com quem o seu pai se casou após a morte da mãe, a santa-mariense Odilaine Uglione.
De acordo com a psicóloga clínica e neuropsicóloga Denise Maria Cardona Rodrigues, situações que envolvem um novo relacionamento dos pais é o que mais leva crianças ao seu consultório. Pais e mães têm dificuldade em conciliar o relacionamento com os filhos e uma nova relação:
- Quem está num relacionamento em que o parceiro já tem filhos deve ver a criança como um pedacinho da pessoa amada, e não como uma rival. Não há como competir com o amor entre pais e filhos - afirma Denise.
A psicóloga também chama a atenção para a falta de vínculos que acomete nossa sociedade. A superficialidade das relações e a falta de diálogo têm deixado as famílias fragilizadas:
- Se há conflito, por exemplo, entre a madrasta e o filho, o pai tem o dever de dizer: se você me aceita, aceita também o meu filho.
Conforme a psicóloga, esse conflito pode levar o pai ou a mãe ao distanciamento dos filhos. Sendo o titular da guarda ou não, é dever dos pais cuidar, como prioridade, dos filhos.
Para a advogada e professora universitária especializada em direito de família, Bernadete Schleder dos Santos, até o amor é opcional, mas o cuidado, não:
- O cuidado é obrigação de quem é pai ou mãe. E cuidado inclui participação integral na vida dos filhos, atenção afetiva e às necessidades materiais.
A criança vira um instrumento
Um sinal muito comum da falência das relações familiares é a instrumentalização da criança, ora como objeto de desejo, ora como meio de agredir alguém. Ou, como a possível motivação para o assassinato de Bernardo, instrumento de ganho financeiro.
A psicóloga Den"